Actualidade: Opinião Portugal é que perdeu com Queiroz

Quando a equipa de Pedro Passos Coelho propôs uma revisão da Constituição que facilita o despedimento por 'causa atendível' em vez da actual 'justa causa' não devia ter em mente a situação de Carlos Queiroz. Mas se essa mudança de léxico já tivesse sido adoptada, as coisas com o seleccionador nacional podiam ser muito mais fáceis.

Seria, até, injusto para Queiroz aplicar-lhe e à situação em que se encontra critérios relacionados com a justiça. Isto é algo que não é estranho ao futebol, onde tantas vezes a sorte se sobrepõe à lei do mais forte ou do melhor, por exemplo. A questão da justiça não se coloca em relação ao próprio Queiroz: provavelmente ele terá posto todo o seu esforço e saber no projecto de levar a selecção nacional mais longe do que ela foi - queremos todos acreditar que sim, é o que nos resta. Nem em relação ao seu empregador: os seus pergaminhos e referências anteriores em nada indicavam que pudesse vir a fazer má figura.

Estando a questão da justiça, portanto, posta de lado, eis-nos no âmbito da causa atendível. E tudo muda de figura. Causa atendível é causa plausível, como indica o dicionário. No caso já longo entre Queiroz e Portugal - que é do que estamos a falar quando falamos da selecção nacional, deixemo-nos de burocracias - há muitas causas plausíveis para o seu despedimento, e a menor delas é o facto de não termos ido mais longe do que fomos no Mundial da África do Sul.

É preciso sabermos do que estamos a falar quando estamos a falar da selecção nacional, porque esse será o ponto de partida de qualquer raciocínio relacionado com Carlos Queiroz. A selecção nacional é muito importante para nós enquanto conjunto - isto para não usar palavras como povo e nação que poderão chocar algumas almas intelectualmente mais sensíveis. Foi irónico que essa tenha sido a herança de um brasileiro, o mesmo que nos pôs, povo empedernido e seco, a ostentar bandeiras à janela. Mas foi assim que aconteceu. E foi esse empenhamento que Queiroz desbaratou.

Desbaratou sem o mínimo problema de consciência, sabemos agora. Na polémica entrevista ao Expresso - um exemplo de autodestruição que o devia fazer preocupar-se o suficiente para passar umas horas no divã do psicanalista - Queiroz queixa-se de tudo, do campo do Massamá aos seus jogadores, mas nunca fala dessa questão que devia ser a que mais o preocupava, enquanto seleccionador e enquanto português: esse fim de ciclo, esse divórcio, o fim do envolvimento.

Acabou-se o envolvimento e muito mais. A selecção nacional representava para Portugal, tão falho nessa área, o exemplo de algo que funcionava, que era profissional e, mais que isso, onde a excelência produzia resultados e esses colocavam-nos entre os melhores.

Se Carlos Queiroz se preocupasse com isso estaria agora, em relação à manutenção do seu lugar de treinador, no papel da personagem que Jacques Brel canta e que prefere continua a ser "a sombra do cão" da mulher a ser deixado por ela. Mas não. Ele prefere parecer aqueles maridos calculistas das novelas e filmes baratos que se casaram pela fortuna, enganaram a mulher com uma comunhão de bens, e sabem que os tostões aumentam à medida das dificuldades criadas.

O que Queiroz não parece perceber é que, como sempre nestas situações, quem tem mais a perder é o outro lado. Neste caso, Portugal. Por isso, Portugal é que devia pedir indemnização a Queiroz. Fonte JN por Catarina Carvalho

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